sábado, 25 de abril de 2009

POMBA GIRA ROSA CAVEIRA







Dona Rosa Caveira
Uma Pomba Gira nos Himalaias


Por Edmundo Pellizari



Dona Rosa Caveira é um mis­tério só.

Pomba gira pouco co­nhe­cida, tem reputação de maravilhosa curandeira e as­pecto inquietante.

Nas imagens popu­lares, ironicamente difí­ce­is de encontrar no Brasil, ela exibe um corpo meio esquelé­tico e meio humano coberto com capa e capucho.



Nos meios tradicionais é dito que ela é a “esposa” de Seu João Caveira, exu da “Velha Guar­da” do cemitério e Chefe da Linha dos Caveiras, um grupo de ser­vi­­dores fiéis e muito pres­tativos.



Em conversa ao pé do con­gá, com alguns irmãos de fé que também circulam pelos caminhos de algumas reli­giões de origem bantu (Kim­banda, Cangerê, Cabula), ou­vi que Do­na Rosa Caveira é protago­nis­ta de inú­meras lendas.



Uma delas conta que Rosa nasceu no Oriente.



Sétima filha de uma simples família do campo, desde cedo aprendeu com seus pais as artes da cura, pois eles eram afamados xamãs. Sua fa­lecida avó foi sua primeira guia espiritual.

Em sonhos, a querida al­ma da ancestral instruia e aconselhava a neta.

Rosa era uma menina privile­giada.

Aos dezenove anos ela conheceu um xamã mui­to mais velho.

Eles se apaixonaram e casaram.

Ela então começou um perío­do muito intenso de atendi­mento espiritual aos cidadãos de sua vila e arredores.

Sua vi­da trans­correu cheia de méri­tos e bênçãos.

Rosa morreria depois de seu marido, sa­bo­re­an­do o prazer de uma exis­tência de­dicada os mais necessitados.

Outra lenda nos conta o se­gre­do de seu nome...

Ao redor da ca­sinha onde sua família morava existia um roseiral selvagem.

No final da gra­videz, sua mãe não teve tempo de pedir ajuda à parteira local e a menina nasceu ali mesmo.



Daí o nome: Rosa.



Por que caveira ?



Em certas regiões do Oriente, so­bretudo na Índia, Tibet e Butão, alguns xamãs e yogues utiizam a caveira hu­mana como um cálice ritual.

A ca­veira, assim utilizada, não está relacio­nada com magia negra ou qualquer arte malévola.



No Budismo Tibetano os Lamas utili­zam uma caveira como cálice.



Também fazem um pequeno tambor com duas metades de caveira...

Na Índia ele é chamado de Damaru e a caveira de Kapala.



Quando conheci a lenda de Rosa Caveira, imediatamente percebi a co­nexão com as tradições yogues e tibe­tanas.

Na minha imaginação eu “vi” a gran­de mestra sentada numa alta mon­tanha, segurando uma caveira e em profundo estado de meditação.



Seria Rosa Caveira tibetana?



Pode ser que a lenda tenha se oci­dentalizado e a planta original, que poderia ser o lótus, tenha se trans­for­mado em rosa.

Neste caso seu nome seria Pema em tibetano. Em sânscrito, seu nome espiritual seria Kapa­la­padma (Lótus Caveira).

Na tradição budista e mágica do Tibet, Mongólia e arredores, existem mui­tas histórias e lendas com as mes­mas características das aqui men­cio­nadas.



O fato é que como Pomba Gira bra­sileira, na gira do dia-a-dia dos terrei­ros, Rosa Caveira é um pouco dife­rente de suas irmãs.

Ela não se firmou como “mu­lher da vida” ou er­ran­te marginal.

Mas se perpetuou como curandeira poderosa e ponte entre os diversos reinos do astral.



Uma outra curiosidade cir­cunda esta Pomba Gira. Rosa Ca­veira trabalha e vi­bra no cemitério...

Em algu­mas tradições orientais, as mes­­mas mencionadas acima, certo grupo de adeptos utiliza o cemitério para tra­balhos espirituais de cura e transfor­mação. Eles são cha­ma­dos de Kapa­likas ou portadores da caveira!

As mu­lhe­res do grupo, além da caveira transportam um tridente.



Certa vez eu estava caminhando com um amigo indiano pelas ruas do centro de São Paulo.

De repente, dian­te de uma loja de artigos religiosos, ele literalmente ficou paralisado!

Uma grande e vermelha estátua de Pomba Gira estava diante de nós.

Nua, majestosa, segurando um tridente e com uma caveira nos pés.



Shivaji, meu amigo indiano, se cur­­vou aos pés da imagem e disse:

“Trishula Kapala Ma! O que você faz aqui?”



Trishula Kapala Ma é a Mãe do Tri­dente e da Caveira,

uma re­pre­sen­tação do femi­nino sagra­do que po­de ron­dar os lugares de cremação.



Ela des­­trói os fantasmas ma­­lignos e os demô­nios, come as ilusões hu­ma­nas e resgata as almas das mãos dos seres das tre­vas.

Seu aspecto pode ser “terrí­vel”, mas a luz e a bonda­de emana de seu cora­ção.



Atrás do aspecto funesto de Rosa Caveira com certeza brilha a mesma luz.

Nela se encontram o Oriente e o Oci­dente, o vermelho e o branco, a vida e a morte.



Espero ter a humildade de Shivaji e também sempre me curvar diante do sagrado feminino.

Terrível ou bondoso, que importa?

sábado, 18 de abril de 2009

Eis que o caboclo veio à Terra “anunciar” a Umbanda1

Eis que o caboclo veio à Terra “anunciar” a Umbanda1
José Henrique Motta de Oliveira
Mestre em História Comparada - UFRJ/ PPGHC
temporeal@uol.com.br
Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer,
será chamado Filho de Deus. (Lucas 1:35)
Resumo: Neste artigo ofereceremos um novo olhar sobre a “anunciação” da Umbanda: a manifestação do
Caboclo das Sete Encruzilhadas no médium Zélio de Moraes, numa sessão da Federação Espírita de Niterói, no
dia 15 de Novembro de 1908. Como todo mito-fundador, a narrativa entremeia a realidade com fantasia. Mas o
que interessa é o valor simbólico que o mito representa para os atuais adeptos, cuja importância se compara ao
nascimento de Jesus, para os cristãos. Nesta perspectiva, proponho uma análise alternativa àquelas realizadas
por Diana Brown e Emerson Giumbelli, nas quais a relevância simbólica do evento fora suplantada por questões
relativas à consolidação da classe média carioca. As teorias de Pierre Bourdieu sobre o funcionamento do campo
religioso me auxiliaram na tarefa de justificar o ostracismo vivido por Zélio de Moraes. O que estava em jogo
naquele momento era a busca pela legitimidade de uma religião periférica, e não quem fora o precursor da
Umbanda.
Palavras-chaves: Umbanda, Religião Brasileira, História do Brasil Republicano.
Abstract: The present dissertation aims at analyzing the annunciation of Umbanda, which was done by the
manifestation of Caboclo das Sete Encruzilhadas through Zélio de Moraes, in a session at the Spiritism
Federation in Niterói, on November 15, 1908. As every foundation myth, the narrative mixes both reality and
fantasy. However, the symbolic value that the myth represents to the actual followers has the same importance as
the Christ’s birth to Christians. From this perspective, I propose an alternative analysis to those proposed by
Diana Brown and Emerson Giumbelli, in which the symbolic relevance of the event was forgotten due to matters
related to the consolidation of the middle class in Rio. Pierre Bourdieu’s theories about the functioning of the
religious field helped me in this task.
Word-key: Umbanda; Brazilian Religion; and History of Republican Brazil
1 Este artigo foi escrito originalmente para o V Simpósio de História Comparada da UFRJ, tendo como base um
fragmento da minha dissertação de mestrado.
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1 – Introdução:
A manifestação de espíritos de negros e de índios, tão comuns na Umbanda, já ocorria
espontaneamente nos rituais da macumba desde meados do século XVIII. Longe de ser um
culto organizado, a macumba era um agregado de elementos da cabula bantu, do Candomblé
jeje-nagô, das tradições indígenas e do Catolicismo popular, sem o suporte de uma doutrina
capaz de integrar os diversos pedaços que lhe davam forma. É desse conjunto heterogêneo,
acrescida de elementos egressos do Kardecismo2, que nascerá a nova religião.
Mas de onde vem a Umbanda? Acredita-se que o vocábulo “umbanda” designasse,
entre os africanos, sacerdote que trabalha para a cura. Na macumba, o vocábulo “embanda”
ou “umbanda” também designava o chefe do terreiro ou, simplesmente, sacerdote. Nunca uma
modalidade religiosa. O umbandista Matta e Silva relata no livro Umbanda e o Poder da
mediunidade que o vocábulo “umbanda”, como bandeira religiosa, não aparece antes de 1904
(MATTA E SILVA, 1987, p. 13). Entretanto, no depoimento deste mesmo autor, encontra-se
o registro de que, em 1935, conhecera um médium com 61 anos de idade, de nome de
Nicanor, que praticava a Umbanda desde os 16 anos, ou seja, desde 1890, incorporando o
Caboclo Cobra Coral (Idem. Ibidem, p. 14). Outro autor umbandista, Diamantino Trindade,
reproduziu no livro Umbanda e Sua História parte de uma entrevista do jornalista Leal de
Souza – publicada no Jornal de Umbanda, em Outubro de 1952 – na qual afirmava que o
“precursor da Linha Branca fora o Caboclo Curuguçu3, que trabalhou até o advento do Caboclo
das Sete Encruzilhadas” (TRINDADE, 1991, p. 56). O vocábulo “umbanda” vai ganhar status
de religião quando o Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestado no médium Zélio de Moraes,
no dia 15 de novembro de 1908, “anuncia”4 o início de uma nova prática religiosa. Este evento
representa, hoje, para o Movimento Umbandista5 o marco fundador da religião, um divisor de
águas entre a macumba – que era compreendida na época como “baixo-espiritismo” cuja prática
2 Foi este último grupo que se apropriou do ritual da macumba, impôs-lhe uma nova estrutura e, articulando um
novo discurso, deu início ao processo de legitimação, que se consubstanciou com a fundação de Federação
Espírita de Umbanda em 1939.
3 Sobre o Caboclo Curuguçu, não foram obtidas outras informações que pudessem esclarecer a ação desta
manifestação espiritual.
4 Tomo emprestado aqui o significado de “anunciação” a semelhança do que ocorreu com a passagem bíblica
quando o Anjo Gabriel apareceu a Virgem Maria para anunciar a vinda do messias: Jesus.
5 Entendemos como Movimento Umbandista a união dos adeptos da nova religião a fim de se protegerem contra
a repressão policial. Esta união se consolidou na criação da Federação Espírita de Umbanda (1939), na
realização do Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda (1941) e na produção e divulgação de
todo um discurso legitimador das práticas umbandistas, que se traduziram na publicação de livros, jornais,
revistas, programas de rádios etc.
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nem sempre estava direcionada para fins elevados – e o “Espiritismo de Umbanda”, voltado
para a prática do amor ao próximo.
Misto de lenda e de realidade, a “anunciação” da Umbanda sofre algumas variações de
narrador para narrador, mas a estrutura básica se mantém inalterada. Zélio de Moraes, aos 17
anos, começou apresentar alguns distúrbios os quais a família acreditou que fossem de ordem
mental e encaminhou o rapaz para um hospital psiquiátrico. Dias depois, não encontrando os
seus sintomas em nenhuma literatura médica, foi sugerida à família que lhe encaminhasse a um
padre para um ritual de exorcismo. O padre, por sua vez, não conseguiu nenhum resultado.
Tempos depois Zélio foi levado a uma benzedeira conhecida na região onde morava que lhe
diagnosticou o dom da mediunidade e lhe recomendou que “trabalhasse” para a caridade.
Por sugestão de um amigo de seu pai, Zélio foi levado a Federação Espírita de Niterói,
no dia 15 de novembro de 1908. Ao chegar à Federação foi convidado pelo dirigente daquela
instituição a participar da sessão. Logo em seguida, contrariando as normas do culto, Zélio
levantou-se dizendo que ali faltava uma flor. Foi até um jardim apanhou uma rosa branca e
colocou-a no centro da mesa. A atitude do rapaz provocou uma estranha confusão no local:
ele incorporou um espírito e simultaneamente diversos médiuns apresentaram incorporações
de caboclos e preto-velhos. Advertido pelo dirigente do trabalho, a entidade incorporada no
rapaz perguntou por que era proibida a presença daqueles espíritos. Outro médium, que tinha
o dom da vidência, quis saber da entidade o porquê dela falar daquele modo, pois via que era
um padre jesuíta e lhe perguntou o nome. A resposta foi:
(...) se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã
estarei na casa deste aparelho, para dar início a um culto em que estes pretos e índios
poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes
confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que
deve existir entre todos os irmãos encarnados e desencarnados. E se querem saber
meu nome que seja Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos
fechados para mim. (GUIMARÃES e GARCIA, 2002, não paginado).
No dia seguinte, no bairro de Neves – município de São Gonçalo, região metropolitana
do Rio de Janeiro –, estavam presentes à casa do médium membros da Federação Espírita,
parentes, amigos, vizinhos e do lado de fora uma multidão de desconhecidos. Às 20 horas, o
caboclo se manifestou no corpo de Zélio de Moraes e disse que naquele momento iniciava-se
um novo culto, no qual os espíritos de africanos e de índios poderiam trabalhar em benefício
de seus irmãos encarnados e disse, também, que a nova religião se chamaria Umbanda. O
grupo fundado pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa
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Senhora da Piedade, porque “assim como Maria acolhe em seus braços o Filho, a Tenda acolheria
aos que a ela recorrerem nas horas de aflição” (TRINDADE, 1991, p. 62) 6.
A Pietá, de Michelangelo, serviu de inspiração para o Caboclo das
Sete Encruzilhadas escolher o nome da Tenda Nossa Senhora da
Piedade.
2 – Interpretações do mito-fundador
Para um grupo significativo de umbandistas, o dia 15 de novembro de 1908 assumiu o
caráter de data de fundação da religião7. Entretanto, a antropóloga Diana Brown (1985) indica
o aparecimento da Umbanda apenas na década de 1920 e aponta Zélio de Moraes e seus
seguidores como egressos do Espiritismo.
Zélio de Moraes, que no relato da sua doença, da posterior cura, e da revelação de
sua missão especial para fundar uma nova religião chamada Umbanda fornece
aquilo que considero um mito de origem da Umbanda. Não posso estar totalmente
certa de que Zélio foi o fundador da Umbanda, ou mesmo que a Umbanda tenha tido
um único fundador, muito embora o centro de Zélio e aqueles fundados por seus
companheiros tenham sido os primeiros que encontrei em todo o Brasil que se
identificavam conscientemente como praticantes de Umbanda (...).
Muitos integrantes deste grupo de fundadores eram, como Zélio, kardecistas
insatisfeitos, que empreenderam visitas a diversos centros de “macumba”
localizados nas favelas dos arredores do Rio de Janeiro e de Niterói. (Idem, Ibidem,
p. 11).
6 A Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade encontra-se ainda em atividade no município de Cachoeira de Macacu,
região serrana do Rio de Janeiro.
7 O dia 15 de novembro foi instituído como Dia Nacional da Umbanda durante o III Congresso Brasileiro do
Espiritismo de Umbanda, em 1973. Nesta data, que passou a fazer parte do calendário umbandista, a maioria dos
terreiros comemoram a fundação da Umbanda e rendem homenagem ao caboclo das Sete Encruzilhadas.
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Zélio Ferdinando de Moraes
Realmente, devo concordar com Diana Brown que não se pode ter certeza de que
Zélio de Moraes tenha fundado a Umbanda. Principalmente
porque alguns dados referentes a aquele evento não puderam
ser confirmados, havendo inclusive várias divergências entre
as informações contidas no mito da “anunciação”. A
narrativa faz referência à participação de Zélio na mesa
kardecista atendendo ao convite do presidente da Federação
Espírita de Niterói, José de Souza. Entretanto, consultando o
Livro de Atas nº. 1 desta instituição, constata-se que o cargo
era ocupado por Eugênio Olímpio de Souza. E mais, não
consta o nome de nenhum José de Souza entre os membros
da diretoria e muito menos na relação de associados.
Tampouco consta no referido livro de atas a realização de
reunião naquela data. Segundo informações prestadas pela Diretora de Divulgação da
Federação Espírita de Niterói (atual Instituto Espírita Bezerra de Menezes), Yeda Hungria, na
ocasião a Federação ainda não dispunha de sede própria, ocupando uma sala na Rua da
Conceição – Centro de Niterói –; portanto, não haveria condições do jovem Zélio buscar
rapidamente uma flor para enfeitar a mesa. Assim, somos levados a pensar que, se realmente
o fato ocorreu, pode não ter acontecido na Federação, mas talvez em algum centro espírita
filiado a esta, cujo nome se perdeu ao longo da repetição desta tradição oral8.
No que diz respeito à afirmação de Diana Brown de que a fundação da Umbanda tenha
ocorrido em meados da década de 1920, por iniciativa de um grupo de kardecistas, sou levado
a discordar da pesquisadora. Vejamos: em artigo publicado no livro O Espiritismo, a Magia e
as Sete Linhas de Umbanda, editado pelo jornalista Leal de Souza em 1933, o autor afirma
que o Caboclo das Sete Encruzilhadas “baixava” há 23 anos em uma casa pobre nos arredores
de Niterói (SOUZA, 1933, p. 78). Isto é, pelo menos, desde 1910. Acredito que Brown tenha
8 Segundo Yeda Hungria, na época, a instituição já realizava sessões espíritas em suas dependências. Entretanto,
estas reuniões não geravam atas. Portanto, não há como afirmar se houve sessão naquele dia. Quanto a registros de
distúrbio provocado por espíritos “indesejados”, não haveria também motivo para serem realizado, uma vez que a
manifestação desses espíritos e a conseqüente doutrinação era prática usual na mesa kardecista. Assim, seria lícito
supor que a possível manifestação de um caboclo na sessão espírita passaria despercebida, porque era comum a
manifestação de espíritos tidos como “atrasados” nas sessões. Contudo, penso que não seria comum a manifestação
de um caboclo anunciando a criação de uma nova religião, a menos que ninguém tenha levado a sério.
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Detalhe do altar da Tenda Espírita
Nossa Senhora da Piedade
sido levada a se enganar, pois o período coincide com a transferência da Piedade9 para outro
endereço ainda em São Gonçalo.
Outro fator que poderia ter contribuído para a confusão da pesquisadora estadunidense
seria, talvez, o período em que ocorreu a criação de tendas filiadas à Piedade, cuja maioria se
deu ao longo daquela década. Segundo o mito, o Caboclo das Sete Encruzilhadas havia
orientado seu médio para a abertura de outras tendas com a finalidade de propagar a nova
religião. Ao todo, foram criadas sete tendas por orientação da entidade. Até mesmo os
responsáveis pela direção dos novos templos foram indicados pelo caboclo. Assim, temos:
Tenda Nossa Senhora da Guia, com Durval de Souza; Tenda Nossa Senhora da Conceição,
com Leal de Souza; Tenda Santa Bárbara, com João Aguiar; Tenda São Pedro, com José
Meireles; Tenda Oxalá, com Paulo Lavois; Tenda São Jorge, com João Severino Ramos; e
Tenda São Jerônimo, com José Álvares Pessoa10. Além destas, várias tendas foram fundadas
sob orientação do Caboclo das Sete Encruzilhadas em São Paulo, Minas Gerais, Espírito
Santo, Rio Grande do Sul e Pará (TRINDADE, 1991, p. 69).
Com relação à proximidade de Zélio de Moraes com o Kardecismo, além do fato do
caboclo ter se manifestado em uma sessão espírita, se justifica apenas pela fé professada por
seu pai, Joaquim Ferdinando Costa, que realizava encontros em sua casa para a leitura da obra
de Allan Kardec11. Segundo Zilméia de Moraes Cunha – única filha viva do médium – seu pai
nunca fora kardecista. Pelo contrário, a família era
tradicionalmente católica. Ela sublinha, contudo, que após
a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas,
muitos kardecistas passaram a freqüentar assiduamente a
Piedade, vindo alguns deles ingressaram no corpo
mediúnico da casa. Diamantino Trindade reforça a
hipótese de proximidade de Zélio com o Catolicismo,
tanto na presença de muitas imagens de santos no altar da
Piedade, quanto no habito de homenagear santos católicos
ao nomear os templos filiados à Piedade (Idem. Ibidem, p. 68). Cabe lembra também que o
9 Doravante passo a me referir a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade apenas como Piedade.
10 Não há registros confiáveis sobre as datas de fundação de todas as tendas, sabe-se apenas que a primeira foi
inaugurada em 1918 e a última em 1935, ou seja, Zélio de Moraes levou 17 anos para cumprir a determinação da
entidade responsável pelos trabalhos.
11 Ubiratan Machado sublinha que na virada do século XIX para o XX era comum à realização de reuniões para
estudar as obras de Allan Kardec sem que isso representasse conversão ao Espiritismo, muitos reafirmavam que
continuavam católicos. Cf. MACHADO, 1997, p. 224.
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Pintura mediúnica retratando o
Caboclo das Sete Encruzilhadas,
realizada pelo médium vidente
Jurandy, em 1949.
Caboclo das Sete Encruzilhadas não era um espírito qualquer, segundo o mito, ele fora o
padre jesuíta Gabriel Malagrida em reencarnações
anteriores.
A presença do Catolicismo no mito da “anunciação”
da Umbanda pode ser observada também num quadro onde
fora pintado mediunicamente a imagem do Caboclo das
Sete Encruzilhadas. A pintura apresenta um indígena no
primeiro plano, tendo no plano intermediário um mastro
com a bandeira do Brasil tremulando e logo adiante sete
caminhos unidos a um único ponto de origem e, no plano de
fundo, há elementos relativos à natureza do nosso país. O
quadro é simbolicamente riquíssimo, permitindo inúmeras
interpretações. O que nos interessa aqui, entretanto, são os
sete caminhos que o caboclo tem para percorrer no sentido
de propagar a Umbanda. A união destes caminhos, a encruzilhada, lembra-nos a praça de
muitas igrejas do interior, que oferece aos fiéis sete opções de trajetos para chegar até o
templo. Estes caminhos fazem referência aos sete dons do
Espírito Santo: Sabedoria, Entendimento, Conselho,
Fortaleza, Ciência, Piedade e Temor, cujos valores, são
procurados no culto ao Divino Espírito Santo. A análise desta
simbologia nos sugere a interpretação de que o Caboclo das
Sete Encruzilhadas seria a manifestação de um “espírito
santo”, talvez um anjo, que viria “anunciar” o início de uma
religião que falaria aos humildes. Portanto, totalmente
distante das interpretações que qualificavam as entidades da
Umbanda como demoníacas.
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3 – Uma análise comparativa da relevância da “anunciação” da Umbanda
A pergunta que se faz neste momento é qual a relevância de se identificar quem,
quando ou como se iniciou o Movimento Umbandista? Acredito que a resposta esteja no valor
simbólico atribuído pelos atuais adeptos à manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas na
pessoa de Zélio de Moraes. Este simbolismo pode ser avaliado pelo calendário litúrgico da
religião, no qual o dia 15 de Novembro aparece ao lado das tradicionais datas comemorativas
dos Orixás, com direito a realização de sessão festiva cuja finalidade é render homenagens
tanto ao Caboclo das Sete Encruzilhadas quanto ao médium. É possível encontrar em alguns
terreiros até a fotografia do Zélio ornamentando o congá12.
Mesmo que seja somente um “mito de origem”, como propõe Diana Brown, a
manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas não pode ser relativizada, uma vez que para
os umbandistas a data tem o mesmo valor simbólico do Natal para os cristãos, do Rosh
Hashaná para os judeus e da Hérgira para os muçulmanos13. Portanto, não me satisfaz a
análise que Emerson Giumbelli (2003) propões sobre o mito fundador da Umbanda e a
importância de Zélio de Moraes para o Movimento Umbandista.
Para Giumbelli, o mito fundador centrado na figura de Zélio de Moraes e da
manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas é uma construção tardia, que se inicia
contemporaneamente à morte do médium – em 1975 – e que corresponderia a um período de
dispersão doutrinária e ritual e de uma divisão institucional (Idem. Ibidem, p. 189). Não vejo,
a princípio, consistência nessa justificativa para se buscar nas origens da Umbanda um
elemento aglutinador para o Movimento Umbandista. Se observarmos a estrutura
organizacional do movimento, perceberemos que a união dos umbandistas sempre foi
circunstancial; haja vista o excessivo número de Federações, Confederações, Uniões e
Conselhos existentes14. As questões doutrinárias e rituais desde a realização do Primeiro
Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda (1941) sempre foram tensas entre o grupo
que defendia o rompimento da Umbanda com as práticas mais africanizadas e aqueles que
delas não abriam mão. É significativa a posição do umbandista Tancredo da Silva Pinto – o
Tata Tancredo – no livro Fundamentos de Umbanda, sobre as propostas de desafricanização
12 O congá é o local onde se encontra o altar e onde também ficam os médium durante as sessões.
13 O Natal marca o nascimento de Jesus para os cristãos; o Rosh Hashaná é o ano novo judaico contado a partir
da fuga dos hebreus do Egito; e a Hégira, dos muçulmanos, marca a fuga de Maomé de Meca para Medina.
14 Cf. BIRMAN, 1985. p 80-121.
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divulgadas nas palestras daquele Congresso. O autor diz que acha graça quando ouve os
“líderes da Umbanda Branca” dizendo que a religião sofre influência das tradições africanas.
Para ele “a Umbanda é africana, é um patrimônio da raça negra” (FREITAS e PINTO, 1957,
p. 58). Tancredo, inclusive, vai romper com a Federação Espírita de Umbanda e fundar a
Congregação Espírita de Umbanda do Brasil.
Giumbelli continua sua análise discorrendo uma vasta bibliografia etnográfica na qual
Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas não aparecem antes da década de 1970,
ambos tiveram de esperar as pesquisas de Diana Brown e Renato Ortiz para passar a existir na
literatura acadêmica. Depois, se debruça sobre várias obras umbandistas e sobre o Jornal de
Umbanda – veículo oficial da União Espiritualista Umbanda do Brasil, herdeira de Federação
Espírita de Umbanda –, nos quais o nome de Zélio de Moraes não aparece ou, quando citado,
aparece de forma discreta. O autor conclui que as referências ao médium, principalmente
aquelas encontradas no Jornal de Umbanda, apenas reconhecem a antiguidade dos vínculos de
Zélio de Moraes com a Umbanda, contudo jamais chegaram a ponto de alçá-lo à posição de
fundador da religião.
Mas do que isso, insinuam uma subordinação de Zélio ora à sua condição de
médium (como tanto outros na umbanda), ora à sua condição de intermediário de
uma entidade espiritual (que, diga-se, não lhe devia exclusividade). Sendo assim,
compreende-se por que mesmo os textos que tratam das origens ou da história da
umbanda, ou do Caboclo das Sete Encruzilhadas, no jornal da UEUB no final da
década de 1950 não se sentem obrigados a mencionar o nome de Zélio.
(GIUMBELLI, 2003. p. 194).
Diante da extensa documentação apresentada pelo autor não há o que se discutir, mas
cabe a possibilidade de se propor outra interpretação para a ausência de Zélio de Moraes nas
obras de seus contemporâneos. Antes, porém, devo lembrar que o Leal de Souza15, relatou ao
Jornal de Umbanda, na edição de Outubro de 1952, que coubera ao Caboclo das Sete
Encruzilhadas a incumbência de organizar a “Linha Branca de Umbanda”, seguindo as
determinações dos “guias superiores” que regem o planeta.
Quando se apresentou pela primeira vez, em 15 de novembro de 1908, para iniciar
sua missão, mostrou-se como um velho de longa barba branca; vestia uma túnica
alvejante, que tinha em letras luminosas a palavra Caridade. Depois, por longos
anos, assumiu o aspecto de um caboclo vigoroso; hoje é uma claridade azul no
ambiente das Tendas. (SOUZA. Apud TRINDADE, 1991, p. 56).
15 Na época Leal de Souza dirigia a Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, uma das filiais que formam o
septo de casas fundadas pelo caboclo das Sete Encruzilhadas.
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Na mesma entrevista, Leal de Souza vai fazer referência a Pai Antônio, um pretovelho,
que se manifestou no mesmo dia em que fora fundada a Piedade. “Pai Antônio, o
principal auxiliar do Caboclo das Sete Encruzilhadas, e que baixa no mesmo aparelho, Zélio
de Moraes, e que eu já vi discutir medicina com doutores. É o espírito mais poderoso do meu
conhecimento” (Idem. Ibidem, p. 57). Portanto, existe pelo menos uma referência no Jornal de
Umbanda sobre a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, no médium Zélio de
Moraes, no dia 15 de Novembro de 1908, com a finalidade de organizar a “Linha Branca de
Umbanda”. Mas concordo com Giumbelli, é pouco, quase nada!
Assim, recorro às teorias de Pierre Bourdieu (2004) sobre o funcionamento do campo
religioso para me auxiliar na tarefa de propor uma interpretação alternativa do ostracismo
vivido por Zélio de Moraes. Bourdieu nos ensina que “toda seita que alcança êxito tende a
tornar-se Igreja, depositária e guardiã de uma ortodoxia, identificada com as suas hierarquias
e seus dogmas” (Idem, Ibidem, p. 58). Parto do princípio de que as publicações umbandistas
estudadas por Giumbelli foram produzidas num período em que a Umbanda já desfrutava de
alguma legitimidade institucional. A partir do modelo “bourdiano”, comparo a Federação
Espírita de Umbanda com a hierarquia eclesiástica e Zélio de Moraes com a figura do profeta,
isto é, aquele que pelo exercício legítimo do poder religioso – que no nosso caso é a
manifestação de uma entidade espiritual que se apresenta como fundadora da Umbanda – teria
condições de competir no campo religioso com o monopólio doutrinário difundido pela
Umbanda institucionalizada, pondo em risco a legitimidade da nova religião.
Bourdieu argumenta que para a conservação do monopólio de um poder simbólico e
da existência da instituição eclesiástica, caberia à Igreja buscar recursos para suprimir a ação
do profeta, seja pela sua eliminação ou pela sua subordinação e reconhecimento da
legitimidade do monopólio eclesiástico (Id. Ibid. 61). Ora, foi isto que ocorreu com Zélio de
Moraes. Ele se subordinou às orientações da hierarquia eclesiástica, isto é, da cúpula da
Federação Espírita de Umbanda, até mesmo porque teria ajudado a fundar a instituição,
seguindo as orientações do guia espiritual16. Situação inversa sofreu Tancredo da Silva Pinto,
16 Encontra-se nos Anais do Primeiro Congresso do Espiritismo de Umbanda, uma menção a intervenção do
caboclo das Sete Encruzilhadas na fundação da Federação Espírita de Umbanda. Antes de iniciar a palestra, o
representante da Tenda Espírita São Jorge, Antônio Barbosa, rende homenagem ao caboclo dizendo: “(...) rendo
homenagens ao Guia Espiritual, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, o idealizador da Federação Espírita de
Umbanda”. Cf. Anais, 1942, p. 165.
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que não rompeu apenas com a Federação Espírita de Umbanda, mas com a própria Umbanda
ao criar o culto de Omolocô17.
Zélio de Moraes, segundo depoimentos de pessoas que tiveram oportunidade de
conviver com ele, tinha personalidade tímida e modesta. “Era uma pessoa que não gostava
dos holofotes da ostentação pública”, comenta o jornalista Ronaldo Linares, autor de uma
curta biografia do médium, publicada no livro Os Decanos (SARRACENI, 2003, p.17-27).
Não era da personalidade de Zélio arvorar-se em líder da Umbanda, ou “não era este o desejo
do plano espiritual”, ponderou Lygia Cunha, neta do médium em conversa informal com o
autor desta dissertação.
Acredito, portanto, que não era interesse da cúpula umbandista fazer grandes
reverências ao médium Zelio de Moraes, pois, como deixa claro Bourdieu, representaria um
risco à legitimidade da própria instituição, uma vez que a legitimidade religiosa poderia se
deslocar da Igreja instituída para o profeta. Em contrapartida à subordinação de Zélio ao
poder da hierarquia eclesiástica, lhe foram concedidos em vida pequenos reconhecimentos
pelos serviços prestados a Umbanda, com nomeá-lo para o posto de “inspetor” da federação,
conceder a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade o “diploma de filiada número um”, ou
conferindo-lhe o título de “decano dos Babalaôs da União” (GIUMBELLI, 2003, p. 193-194).
A partir do momento que a direção da Piedade é transferida para as filhas do médium (Zélia e
Zilméia de Moraes) e ele parte para um “exílio” voluntário na Região Serrana do Rio de
Janeiro, vindo a falecer alguns anos depois, abre-se espaço para a cúpula umbandista
reconhecer a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas como fundadora da religião e
Zélio de Moraes como seu pioneiro. Essa atitude vem reforçar o caráter legitimador da
hierarquia umbandista, uma vez que ela instituiu o dia 15 de Novembro como o “Dia
Nacional da Umbanda”, em assembléia a realização durante o 3º Congresso Brasileiro do
Espiritismo de Umbanda, em 1973, no Maracanãzinho. Este fato ocorreu dois anos antes da
morte do médium.
17 Omolocô, culto afro-brasileiro que admite no mesmo ambiente tanto as práticas do Candomblé quanto a da
Umbanda. Cf. OMULU, 2002.
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4 – Considerações finais
Não queremos aqui defender a tese de que as práticas umbandistas não existiam antes da
“anunciação da Umbanda” pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. Pelo contrário, reconhecemos
que a manifestação de espíritos de indígenas e pretos já ocorria a algum tempo nos rituais da
macumba e nas sessões do Espiritismo popular. O que procurei enfatizar neste artigo foi que a
manifestação daquele caboclo marcou o rompimento entre aquilo que era compreendido como
“baixo-espiritismo” com o que se convencionou chamar de “Espiritismo de Umbanda” na obra
dos intelectuais da nova religião. Para mim, a divisão é clara: o que havia antes era uma seita,
fruto de um ritual heterogêneo, praticada por segmentos subalternos da sociedade; o que passou
a existir depois foi uma religião que se apropriou da filosofia Kardecista e de dogmas cristãos,
sendo professada por elementos da classe média em ascensão. Nesta perspectiva, a figura do
médium Zélio de Moraes, e do guia espiritual que lhe assistiu durante a vida, adquire papel de
relevância na trajetória do Movimento Umbandista. Foi a partir da ação deste, dentre outros
pioneiros, que se intensificou a busca pela legitimação da nova religião, minimizando-se
assim a ação da Delegacia de Tóxicos e Mistificações sobre os terreiros e a intolerância dos
segmentos conservadores da sociedade.
Ao longo do processo de consolidação da religião umbandista, foi atribuído a
Federação Espírita de Umbanda a dupla função: (1) de representante dos interesses dos
adeptos junto aos órgãos públicos; (2) e de órgão normatizador das práticas umbandistas. Por
esse motivo, acredito que os interesses coletivos sobrepujaram aos interesses particulares, não
cabendo, portanto, uma figura messiânica para a Umbanda. Acredito, igualmente, que Zélio
de Moraes estava ciente de seu lugar na religião, mas em nenhum momento arvorou-se em
“Papa” da Umbanda nem almejou altos postos na administração daquela instituição
representativa. Não quero dizer que ele fosse uma pessoa abnegada e altruísta ao ponto de não
ser atraída pelo brilho da notoriedade, mas a humildade foi sua maior virtude. Talvez tenha se
espelhado no exemplo do Caboclo das Sete Encruzilhadas que se apresentava dizendo: “sou
apenas um caboclo brasileiro”.
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6 – Bibliografia
BIRMAN, Patrícia. Registrado em cartório, com firma reconhecida: a mediação política das
Federações de Umbanda. Umbanda e Política. Rio de Janeiro: ISER, n. 18, 1985. p 80-121.
BROWN, Diana. Uma história da Umbanda no Rio. Umbanda e Política. Rio de Janeiro:
ISER, n. 18, 1985. p 9-42.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
CONGRESSO BRASILEIRO DO ESPIRITISMO DE UMBANDA, 1º. 1941, Rio de Janeiro.
Anais... Rio de Janeiro: Federação Espírita de Umbanda, 1942.
FREITAS, Byron Torres de; e PINTO, Tancredo da Silva. Fundamentos de Umbanda. Rio
de Janeiro: Souza, 1957.
GIUMBELLI, Emerson. Zélio de Moraes e as Origens da Umbanda no Rio de Janeiro. In:
Caminhos da Alma. São Paulo: Selo Negro, 2003.
GUIMARÃES, Lucília e GARCIA, Éder Longas (Revisado por Mestre THASHAMARA).
Um pouco da História de Zélio de Moraes. Disponível em .
Acesso em 31 Ago. 2002.
MACHADO, Ubiratan. Os Intelectuais e o Espiritismo. Niterói: Lachâtre, 1997.
MATTA E SILVA, W. W. Umbanda e o Poder da Mediunidade. 3ª edição. Rio de Janeio:
Freitas Bastos, 1987.
OMULU, Caio de. Umbanda Omolocô – Liturgia e Convergência. SP, Ícone Ed. 2002.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SARRACENI, Rubens (Org.). Os Decanos: os fundadores, Mestres e Pioneiros da
Umbanda. São Paulo: Madras, 2003.
SOUZA, Leal. O Espiritismo, Magia e as Sete Linhas de Umbanda. Rio de Janeiro: [s.n],
1933.
TRINDADE, Diamantino Fernandes. Umbanda e sua história. São Paulo: Ícone, 1991.

7 lagrimas de Preto Velho




Num cantinho de um terreiro, sentado num banquinho, pitando o seu cachimbo, um triste
preto-velho chorava. De seus olhos molhados, esquisitas lágrimas desciam-lhe pelas
faces e não sei porque contei-as... Foram sete.Na incontida vontade de saber aproximeime
e o interroguei. Fala, meu preto-velho, diz ao teu filho por que externas assim uma tão
visível dor?E ele, suavemente respondeu: Estás vendo esta multidão que entra e sai? As
lágrimas contadas estão distribuídas a cada uma delas.
A primeira, eu dei a estes indiferentes que aqui vem em busca de distração, para saírem
ironizando aquilo que suas mentes ofuscadas não podem conceber.
A segunda a esses eternos duvidosos que acreditam, desacreditando, na expectativa de
um milagre que seus próprios merecimentos negam.
A terceira, distribui aos maus, aqueles que somente procuram a UMBANDA, em busca de
vingança, desejando sempre prejudicar a um seu semelhante.
A quarta, aos frios e calculistas que sabem que existe uma força espiritual e procuram
beneficiar-se dela de qualquer forma e não conhecem a palavra gratidão.
A quinta, chega suave, tem o riso, o elogio da flor dos lábios mas se olharem bem o seu
semblante, verão escrito: Creio na UMBANDA, nos teus caboclos e no teu Zambi, mas
somente se vencerem o meu caso, ou me curarem disso ou daquilo.
A sexta, eu dei aos fúteis que vão de Centro em Centro, não acreditando em nada,
buscam aconchegos e conchavos e seus olhos revelam um interesse diferente.
A sétima, filho notas como foi grande e como deslizou pesada? Foi a última lágrima,
aquela que vive nos olhos de todos os Orixás. Fiz doação dessa aos Médiuns vaidosos,
que só aparecem no Centro em dia de festa e faltam as doutrinas. Esquecem que existem
tantos irmãos precisando de amparo material e espiritual.Assim, filho meu, foi para esses
todos, que viste cair, uma a uma
AS SETE LÁGRIMAS DE UM PRETO-VELHO.

Musicas de Umbanda

MAPA DE COMO CHEGAR A COMUNIDADE DE UMBANDA

Indicação de Livros Umbandistas

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Sandro da Costa Mattos

Obrigação a Oxum e Batizado 2009